Ainda a meditar sobre a PUC, a partir das sentenças da professora Saffioti
Pequito Rebelo (http://tactual.zip.net)
Na postagem imediatamente anterior deste “blog”, registrou-se o fato de que, em nossos árduos tempos, parece estranha a figura do intelectual católico, nutrido de uma cosmovisão católica e disposto a que a uma Universidade Católica faça jus a esse qualificativo.
Em vez disso, há quem sustente caber uma “autonomia” na docência dessa Universidade, quando não até mesmo — assim o professou a eminente Socióloga e Professora da PUC de São Paulo, HELEIETH SAFFIOTI — que se vergaste explicitamente o Magistério católico, a Doutrina Social da Igreja e, de lambuja, o Papa anterior e o atual.
Pode situar-se temporalmente no século XIX, como um dos resultados dos ciclos revolucionários dessa centúria, o começo da instrumentação ideológica e política da educação, até essa altura tradicionalmente apartada do poder político.
Para isso concorreram diversos fatores, especialmente:
1/ a propensão laicista da cultura decimonônica—como então a propunha o iluminismo, à maneira de uma pauta do que suscetível de discussão social; deu-se, nessa linha, uma abdicação das questões últimas da vida (Deus, a vivência sobrenatural, a alma espiritual etc.; que sou?, para onde vou?, que é o mundo?), que se dizia não ser mais passível de debate público, remetendo-se esse temário à instância privada. Calculava-se, com isso, obter uma conciliação de interesses antagônicos entre os indivíduos e os povos, mediante a supressão de questões que, historicamente, os fizeram confrontar (pense-se, p.ex., nas Guerras de Religiões). Acenava-se a uma conjecturável neutralidade em matéria, sobretudo, de religião e moral, cujo resultado efetivo, entretanto, foi o da elaboração, ainda que difusa, de uma religião civil e de uma ética secular, substitutivas da religião e da moral tradicionais (em particular, a religião e a moral cristãs, porque o fenômeno em exame foi sobretudo europeu, onde vigorava amplamente o cristianismo)
2/ A passagem moderna do eixo do poder político do Rei para o do Estado: a um absolutismo monárquico — advertível no Ancien Regime, mas em todo caso submetido, ora mais, ora menos, a limitações historicamente erigidas — sucedeu o absolutismo estadual, ainda que sob trajes democráticos, a que faltava a história de uma contraposição de limites. Desenhou-se, generalizando-se uma particular realidade histórica (a da Inglaterra), o substitutivo formal da limitação do poder político, por meio de pretendidos freios intrínsecos ao mesmo poder (Montesquieu); a evolução dos fatos levou à alteração do Estado, de sorte que o antigo absolutismo estadual, depois de transitar pelo totalitarismo do Estado, agora se sutilizou como absolutismo difuso do poder político (e econômico).
3/ A acolhida do sufrágio universal e sua expansão quantitativa (fins do século XIX), tomando-se em conta política a pontual opinião do votante, cujos quadros de pensamento passaram a ter, ainda que ocasionalmente, importância direta para o poder político (= doxocracia).
4/ A formação das Grandes Potências (Alemanha, Grã-Bretanha, França, Rússia, Japão, Estados Unidos), com fortes ingressos de receitas estaduais, um vistoso aparato burocrático e a constituição de exércitos nacionais, induziu, à altura, o incremento de uma cosmovisão nacionalista (diversa do patriotismo tradicional), filosofia nacionalista justificadora do imperialismo, do colonialismo, do positivismo estadual, em uma palavra: do poder do Estado moderno.
A idéia moderna de educação pública desenvolveu-se, no século XX, não só como educação para todos (a educação para o público), mas também e freqüentemente como educação ministrada pelo Estado e, ainda que implicitamente, a serviço do Estado (a educação DO público POR e PARA o Estado).
Em resumo, um despotismo pedagógico ilustrado: obrigatoriedade de educação uniforme do povo. Paulatinamente, retiraram-se — em alguns casos, efetivamente, eliminaram-se — o primado da família sobre a educação da prole, e, sucessivamente, a preferência, em dadas áreas, do múnus de outros corpos intermédios entre o indivíduo e a sociedade política (p.ex., os grêmios profissionais, quanto aos saberes de ofício), dando-se, em contrário e de fato, a prevalência educacional dos poderes de turno.
Essa causalidade instrumental refletia-se também na ordem dos fins: não é só que o Estado se apossou, vistosamente, da tarefa de educar, senão que se investiu da assinação de sua teleologia. Disso derivou, local e epocalmente, suprimida a sadia pluralidade educativa (reflexo de idônea multiplicidade de convicções no plano social), o fato de o Estado — por outros motivos, em alguns quadros, a impor um pluralismo ou ecleticismo ‘neutro’ (e não já pluralidade) — instaurar um monolitismo educacional.
Certo que por neutralismo há de entender-se, neste ponto, o laicismo, conclui-se que se passou não a ministrar educação propriamente neutra, mas, isto sim, ensino anti-religioso e anti-moral cristã. De modo mais particular, pode falar-se que a educação moderna é o contra-signo educativo da tradição. Esse abandono — recte: essa adversidade — da tradição constitui, de resto, o resistente núcleo da cosmovisão iluminista. Com impor uma ideologia única ou várias ideologias opostas entre si e axiologicamente (ditas) neutras (mas, paradoxalmente, ainda aí como ideologia única), instituiu-se um modelo de educação uniforme, que, pautado, a priori, com a restrição do socialmente discutível e, além disso, orientado não para a verdade, mas para estritos fins temporais, constitui uma deseducação.
Prescindiu-se, pois, da verdade, da tradição, de Deus, para ‘educar’ em ordem a cumprir — com a escrupulosidade pertinente — os interesses da Cidade do Mundo de turno.
22/02/2006